Fotografar a construção do Terminal de Cruzeiros de Lisboa
António Júlio Duarte
Lisboa, 10 de Dezembro de 2019
Neste trabalho, a cidade e o rio foram uma espécie de fronteira. A referência foi sempre a relação entre a nova construção e Alfama, por um lado, e o Tejo, por outro. Foi nesse território, sobre essa parte da cidade com duas paisagens paralelas fortíssimas em termos visuais, que me movimentei durante três anos e meio. O rio acabou por se tornar, pelas suas próprias características, numa realidade poética, metafórica. Quanto à colina, estando a lidar com uma das zonas mais características e emblemáticas de Lisboa, não fugi dela, está presente nas imagens, mas não de uma forma impositiva ou deslumbrada.
Na obra, procurei coisas muito precisas: as diferentes fases de construção do edifício , a actividade laboral, e o envolvimento paisagístico (a calçada e a plantação de árvores) . As fotografias feitas às matérias –primas do cimento e ao processamento do granulado da cortiça são um bloco autónomo do livro, uma pausa na cronologia da construção. Tentei que as imagens fossem justas em relação às diferentes fases da obra. Que fossem um olhar isento sobre o processo — quando digo isento significa não depreciar nem fazer a apologia da obra, ser neutro. Para o conseguir as fotografias foram feitas sempre ao nível da construção. Penso que as fotografias de obra têm de ser imparciais, porque são um relato, uma descrição. São uma memória descritiva de um processo, e é esse o valor que elas têm de ter.
Utilizei a minha habitual máquina de médio formato, quadrado, que é hoje em dia um formato muito pouco usual para fotografar arquitectura. A decisão levou a que este trabalho fosse um desafio porque o terminal de cruzeiros é um edifício pensado na horizontal, acompanhando a margem do rio e quase paralelo à colina. É um formato que contraria a horizontalidade do edifício, que torna as imagens concêntricas.
Escolhi fotografar quase sempre na mesma altura do dia. Evitei os períodos que seriam óbvios pela beleza da luz de Lisboa: o amanhecer e o entardecer. Ambas são situações de luz sedutoras em qualquer lugar, e em Lisboa, junto ao rio, ainda mais. Muitas das fotografias de obra foram feitas na hora em que o Sol estava no zénite. Queria que a luz não suavizasse a violência que é uma obra — que é sempre um processo violento de transformação. Não quis embelezar esse processo em que se abre temporariamente uma ferida numa cidade.
Este ensaio foi um desafio novo. Nunca me tinha sido pedido para pensar no que é construir um edifício, e, por isso, quis que houvesse alguma coisa nova no meu trabalho. Provavelmente, o que houve de novo neste projecto foi o número de regras que criei ao fotografar, e que se calhar noutro registo não as tomaria.
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