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Não tem uma cartilha de reabilitação.
Não. Quando cheguei a Tavira, havia um telhado, achei que o edifício precisava de manter aquele carácter. Quando fiz o hotel no Alentejo, aquilo não era nada especial, era uma aldeia agrícola de uns senhores, que não viviam ali, mas vinham caçar, e tinham um pavilhão só para caçadores e convidados, e à volta havia uma aldeia cooperativa com o padeiro, o serralheiro, o carpinteiro, e depois eram quilómetros e quilómetros de extensão. Aí, achei que não havia nada para classificar isoladamente, seria uma visão míope, pois aquilo era muito interessante exactamente pelo ambiente. E o ambiente era dado pelas proporções e pelos materiais — as texturas, etc. Portanto, fiz quase tudo novo igual ao antigo, é o que se chama de «pastiche» — eu sou um fiel adepto do pastiche. Que parecia ser pejorativo, e o Távora ensinou-me que não. Quando fui ver a Pousada de Guimarães, havia uma chaminé moderna num telhado, e eu disse: «Professor, isto foi feito agora!» «Fui eu que fiz.» «Mas isto é imitar o antigo.» «É, e qual é o problema? É melhor um bom pastiche do que uma péssima obra original.» Calei-me, e depois andei a pensar anos naquilo: o bom pastiche. Eu fui muito acusado no Barrocal de fazer pastiche. Os meus colegas nas conferências expuseram-se, estavam indignados, «como é que foste capaz de fazer aquilo?». Mas também são inteligentes, e amigos, e foram lá dormir e todos me escreveram: maravilhoso, não havia outra maneira de fazer aquilo, fizeste muito bem! O Carlos Prata fez-me isso. Portanto, cada vez estou mais inclinado para recuperar o mais possível, aproximando do edifício original se conseguir encontrar a forma e a função de uma época em que o agarre, não tem nada de ser o século XIX. Estou mais virado para essa conservação do existente, aproximadamente idêntica ou não ao existente, do que entrar em ruptura e fazer coisas diferentes...
Eduardo Souto de Moura, livro Claustro do Rachadouro

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“Para si, o olhar final, quando a obra está feita, é muito importante?
Como arquitecto paisagista, diria que o olhar final, quando a obra está feita, é muitíssimo importante. No entanto, é muito mais importante ainda o que se segue, que é o modo como as pessoas se apropriam do espaço e também como o espaço em si tem a sua vida própria. Há um livro muito interessante do John Dixon Hunt, The Afterlife of Gardens — é um livro da fase madura da sua vida como professor e como historiador da paisagem —, em que ele escreve que os jardins têm uma vida para lá do momento em que são completos, e isso é muito interessante. Eu sei disto por pensamento e por formação, sei que existe uma vida além do complemento das obras. Lembro-me de ter visitado dois espaços para mim fundamentais: Versalhes, de André Le Nôtre, e Sanssouci, obra maior de Peter Joseph Lenné, dois autores essenciais da cultura europeia em paisagem. Visitei Versalhes imediatamente após a grande destruição que a tempestade de 1999 produziu, destruindo as alamedas fundamentais. Visitei antes e visitei depois da replantação dessas mesmas alamedas. Do mesmo modo, visitei Sanssouci, uma única vez, após a morte de uma série de árvores que tinham atingido a sua maturidade plena: duzentos e poucos anos. As árvores morreram naturalmente e estavam a ser replantadas. Lembro-me de ter visitado esses dois espaços nesses dois momentos e ter pensado: «Mas quando é que um jardim está completo? Quando é que uma obra de arquitectura da paisagem está completa? É quando se acaba de plantar? É quando as árvores morrem? E se morrem, replantam-se?» Quer dizer, não há uma resposta para isso. Então, para responder à tua questão, não é quando estamos a terminar a obra que ela se completa, mas, sim, quando as pessoas se começam a apropriar dela e quando o espaço em si, os elementos, alguns vivos, começam a crescer. Depois, quando é que acaba de facto a obra? É quando eles estão crescidos? “
João Gomes da Silva, livro Termas Romanas de São Pedro do Sul